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Entrevista: Doutor Serafim Borges

Médico cardiologista do Flamengo explica preparação e cuidados da equipe para jogo em Oruro

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Quando saiu o sorteio da Copa Conmebol Libertadores 2019, todos ficamos sabendo que o Flamengo "subiria o morro" duas vezes na primeira fase. Logo na estreia, o Mais Querido teria de encarar Oruro, a 3735 metros acima do nível do mar, além do San José, time da cidade boliviana. Se não bastasse uma vez, no dia 24 de abril o time de Abel Braga sobe de novo, dessa vez para a "mais amena" Quito, a capital do Equador, a 2850 metros, para enfrentar a Liga Deportiva Universitária. 

Jogar lá em cima não é novidade para o time. Em cinco oportunidades, todas na Libertadores, o Flamengo jogou acima de 3000 metros e o retrospecto não é o melhor, com três derrotas, um empate e somente uma vitória, em Cusco, por 3 a 0 sobre o Cienciano. Acima de Oruro, o Flamengo jogou em Potosí duas vezes contra o Real, com um empate (2x2, em 2007) e uma derrota (2x1, em 2012). 

Para a nova aventura, o Flamengo recuperou as experiências anteriores e montou sua logística para enfrentar o cenário da cidade boliviana. O médico cardiologista do clube, Doutor Serafim Borges, explicou ao site oficial como será o planejamento, o que pode ocorrer e quais as recomendações dadas ao time para que os efeitos sejam os menores possíveis e os jogadores se preocupem apenas em jogar - e vencer - o San José. 

No sorteio da Libertadores, o Flamengo ficou sabendo que enfrentaria a altitude duas vezes. Qual foi a reação da equipe médica e como começou o planejamento para encarar a inóspita Oruro?

A palavra foi muito bem colocada. É um ambiente inóspito para realização de atividade física e exercício. Em até 2.500 metros, ficamos tranquilos, porque nada acontece. Nós temos esses dados. O que a gente já faz há muitos anos é chegar na hora do jogo, uma hora e quarenta minutos antes, aí aquece e vai pro jogo. Temos dados que mostram que a partir da sexta hora a coisa fica muito complicada. E a sétima hora, então, a pessoa exposta à altitude acima de 2.500 metros é muito complicada. Oruro fica a quase 4.000 mil. Já jogamos em Potosí, a 4.000, que foi o pior. Quito fica a 2.800, e aí sentm um pouco menos. 

Os atletas fizeram um trabalho especial para fortalecimento da musculatura respiratória. E também uma suplementação com vitamina C e sulfato ferroso, para colocar mais hemoglobina. Quanto mais hemoglobina tem no sangue, você consegue conduzir mais oxigênio.  

Na altitude falta oxigênio? Não. O percentual é o mesmo de 21% do nível do mar, mas a pressão lá é menor. Se eu jogar uma semente de ervilha lá em cima, elas ficam dispersas. Não tem pressão para colocar na vias aéreas do indivíduo que está lá. Alguns cuidados são tomados, a velocidade da bola aumenta muito e o atleta deve estar preparado. Não deve dar piques longos na altitude, para não aumentar mais a frequência cardíaca, que já aumenta aumenta muito. A respiratória também aumenta. E quando aumenta a respiratória, você começa a perder a capacidade de ter o oxigênio disponível. 

O Flamengo está preparado para Oruro. O objetivo é chegar na hora do jogo. E, obviamente, a ideia é dar continuidade para Quito. Lá é menos, mas tem problema. O jogador perde coordenação. Temos um preparo especial para os membros da comissão técnica também, com medicação, menos para os jogadores, que não podem usar medicação.

Muito se discute sobre o momento certo para chegar no local do jogo. Fala-se em dias antes, na hora, semanas antes. Afinal, qual a melhor recomendação?

O melhor é chegar na hora do jogo. Fazemos isso há muitos anos. Temos uma experiência grande com isso. Todos os colegas no brasil inteiro fazem esse tipo de adaptação que fazemos há muito tempo. Chegar antes do jogo, dois dias antes, não vai adaptar, vai piorar. Até porque, sabemos que a partir da sétima hora de você exposto à altitude, a situação começa a piorar. O que piora? Você aumenta muito a frequência cardíaca e respiratória e perde performance. Seria necessário estar lá há quatro semanas, mas é impossível pelo calendário. Na época que fizemos o projeto e levamos à Fifa, fomos derrotados. Todos os médicos da América do Sul assinaram a documentação, menos o da Venezuela. Pedimos que não tivesse jogo acima de 2.500 metros sem a adaptação de quatro semanas. É uma vantagem que não é elegante nos esportes. 



Em 2007, ficou célebre a imagem de jogadores utilizando cilindros de oxigênio no jogo contra o Real Potosí. Isso está planejado para essa partida? São realmente necessários?

São necessários, sim. e tem que fazer. Temos os dados disso. temos um aparelho que você coloca no dedo chamado oxímetro digital, que mede o teor de oxigênio no sangue. Os que estão abaixo de 90 precisam de uma suplementação de oxigênio. Não tem jeito. Não é inventar a roda. É ter a fisiologia do negócio para ajudar o indivíduo a não ficar exposto. Uns são mais sensíveis, outros resistem mais. Todos são medidos. E para quem estiver precisando, teremos sete balas de oxigênio a disposição. 

Alguns jogadores correm mais que outros, como Berrío e Bruno Henrique. O senhor disse que o atleta deve evitar muitos piques. Como é o caso dos corredores do time?

Os atletas de velocidades são estudados. E eles, como o Berrío, possuem performance melhor. Os de resistência, que correm mais, porém em menos intensidade, também são estudados. E eles possuem um lastro grande, então não sentem tanto. É fato que, se começar a dar pique acima de dois minutos, em alta intensidade, independentemente de estar na altitude ou no nível do mar, você começa a produzir uma acidose no sue corpo que evidentemente traz prejuízo à performance. É muito difícil que o indivíduo mantenha o pique de mais de dois minutos. O jogador veloz tem uma característica de ter umas fibras rápidas. As fibras rápidas trabalham com menos oxigênio. Mas o que eles precisam entender é o peso da bola. O peso e a velocidade da bola podem enganá-los. Os goleiros, principalmente. 

O treino em Santa Cruz de La Sierra terá alguma preparação para a altitude, ou seguirá a programação?

Lá mantém a programação. É nível do mar e não precisa mudar. 

O senhor conhece algum caso de jogador que tenha apresentado problema específico na altitude?

Na minha passagem, não tive com jogador. Tive com repórter e comissão técnica. Com jogador, não. Tem uns que possuem uma sensibilidade ruim, com uma queda de captação de oxigênio muito intensa. Então esses a gente não recomenda que subam. Já tivemos com esse tipo de jogador na altitude e vimos que não comporta bem. Mas não tive nenhum caso grave. 

O que acontece é o chamado Mal da Montanha. O sintoma mais grave é o edema agudo de pulmão. O edema da altitude é diferente do nível do mar. Aumenta muito a pressão na artéria pulmonar. Então precisa tirar a pessoa da altitude na hora para melhorar. Não adianta tentar medicamento. 

Após a preparação, qual a sua projeção para a equipe no jogo? É possível ter alguma surpresa?

O time está pronto. As surpresas sempre podem acontecer. Não temos dados de quem tem mais sensibilidade. Dos times passados, sim, mas deste atual, não. Nós tivemos mais tempo e conhecíamos bem os atletas. Mas este time atual está preparado. A resposta que a fisiologia tem dado diz que não devemos ter surpresa. 

E após o jogo, qual a primeira medida que deve ser tomada?

Descer na hora. Mas tem um problema. O exame anti-doping. Se o jogador que for pro doping demorar muito a urinar, isso complica. Já tive um problema com a Seleção Brasileira. O time fica preso e as pessoas começam a passar mal no ônibus, jogadores com pressão alta, vomitando. Se o jogador urinar logo, tudo bem, mas quando vai um que demora, é complicado. Então precisa descer logo, é a primeira coisa a fazer.