Notícias

Campeões de terra e mar

Fla festeja título ganho por remadores saídos de projeto comunitárioAntonio Maria Filho - O Globo

Por - em

Fla festeja título ganho por remadores saídos de projeto comunitário

Antonio Maria Filho

O Globo

Se, hoje, a nação rubro-negra - estimada em cerca de 30 milhões de brasileiros - tem o privilégio de bater no peito e afirmar que o Flamengo foi campeão de terra e mar na temporada passada, agradeça e homenageie os remadores Francisco Carvalho e Pedro Carvalho, que, timoneados por Maurício de Abreu, derrotaram os favoritos vascaínos, no último domingo, na Lagoa, na prova de dois com, que estava sub judice desde setembro passado. Embora de sobrenome Carvalho, Francisco e Pedro não são irmãos como Ronaldo e Ricardo, bicampeões pan-americanos de remo no dois-sem, cujos nomes estão inscritos na gloriosa história do Flamengo e do próprio remo brasileiro, mas até parece que são, tal a união dos dois.

Os novos campeões são de origem humilde: o primeiro mora na favela da Rocinha; e, o outro, na comunidade de Rio das Pedras. Ainda emocionados, eles confessaram que jamais imaginaram enfrentar missão tão difícil.

- Quando cruzamos a linha de chegada, nem acreditei. A noite que antecedeu a prova foi daquelas mal dormidas. A todo instante eu acordava, achando que já estava na hora de ir para a garagem do Flamengo - disse Francisco, de 20 anos, o voga do barco (que dá o ritmo de remadas).

Técnico aposta em futuro promissor

Pedro, de 23 anos, viveu também momentos difíceis:

- Só quem passa por isso é que sabe. A gente pensa: se vencermos, o Flamengo conquista o título carioca. Se perdermos…

Realmente, muita responsabilidade para dois iniciantes. O título acendeu o remo rubro-negro.

- A temporada 2008 começa neste domingo. Nosso ambiente agora é outro, graças a esse dois garotos. Fomos campeões e todos se enchem de motivação. Precisamos aproveitar o embalo e pensar ainda mais no futuro - disse o técnico Marcão.

Francisco e Pedro não estão acostumados à fama. A ficha do título ainda não caiu. Quando lhe dizem que os dois entraram para a história do clube, eles não sabem o que isso significa.

Pedro, garçom de um restaurante na Barra, teve que trabalhar normalmente na véspera da decisão porque não tinha como ser liberado, já que um outro funcionário teve que faltar. Ele só lamenta que seus pais não tenham assistido sua vitória:

- Eu queria muito, mas minha mãe teve que levar meu pai ao médico. Vamos comemorar depois.

Já a mãe de Francisco estava muito ansiosa e preferiu ficar em casa.

- Foi melhor assim. Sabendo que ela estaria no estádio de remo, minha ansiedade seria maior. Não poderia decepcioná-la - contou ele.

Os dois vivem agora a glória de título, mas fazem questão de lembrar que vieram do projeto Remo na Escola e que foram descobertos por Chicão, ex-campeão brasileiro.

- Ele foi nos buscar na Escola Estadual André Maurois, na Gávea. Agora é pensar adiante e tentarmos um dia chegar à seleção brasileira, na categoria peso leve (até 72 quilos).

Marcão aposta nos dois:

- Essa vitória mostra a determinação deles. É pensar sempre grande. É um dois com que pode alcançar marcas excepcionais. Basta trabalhar.

A vitória do dois-com rubro-negro foi categórica.

- O Vasco saiu na frente e parecia que a prova de dois mil teria apenas 500 metros. Nos 600m, nós encostamos e os ultrapassamos, terminando com diferença muito grande. Uma vitória incontestável - disse o timoneiro.

O técnico e os integrantes do barco fazem questão de destacar o trabalho de Carlos Maria, o Peru, ex-timoneiro e com grande experiência.

- Dizem que quando as coisas estavam difíceis, o Buck telefonava para o Peru. Ele aparecia e ajudava a decidir. Desta vez, inexplicavelmente, ele me telefonou e pediu para ajudar. Ele ajudou e muito. Atuou como patrão e treinou o barco para valer. Com peso muito acima do de um timoneiro (50kg), já que pesa 75kg, quando deu o lugar para o Maurício, o barco decolou - diz Marcão.

Uma das coisas mais marcantes desta conquista é a lembrança do técnico Guilherme do Eirado Silva, o Buck, cuja estátua existente na rampa dos barcos e à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas é reverenciada até hoje por todos os remadores.

- O Buck deve estar feliz. Rindo à toa. Esta foi para você, Buck! - afirmou Marcão.